terça-feira, 10 de julho de 2012

O leopardo amansado


"Il Gattopardo" (1963), de Luchino Visconti, é um filme que me hipnotiza. Não é só pelo enredo e pelas personagens soberbas, sobretudo aquele Don Fabrizio de estalo, cáustico, rude, lúcido e gentil, um leopardo amansado, que vê o seu mundo brilhante e poeirento em desintegração, mas que se adapta, ainda que todo esse assunto seja um pouco "ignóbil". Lá terá que se vergar às insípidas hienas que galgam desajeitadamente os degraus da escada social (pobre Don Calogero) e esperar com alguma dignidade pela morte.
É também pelos detalhes do filme, pelo cuidado amoroso com que Visconti pinta cada cena (tudo me parece um quadro maravilhoso de Delacroix) ou o primor com que veste cada personagem. São aquelas cortinas ao vento nas cenas iniciais, o soldado morto no jardim, a batalha dos camisas vermelhas, a toalha branca do piquenique dos nobres, os enormes pastéis do banquete, a poeira de Donnafugata.

sábado, 24 de março de 2012

Mudos de espanto

"The Artist" fascinou-me mais pela surpreendente e imaginativa realização do que pelo enredo, embora este tenha todos os ingredientes para um consumo agradável: a história de gratidão/amor ambientada em Hollywood(land) na passagem do triunfal cinema mudo para os "talkies". O tema já tinha sido brilhantemente gozado no musical "Singing in the rain", por isso me soube um pouco a requentado.
O que mais me agradou foi a irreverência e o desplante deste filme: é uma sonora pedrada no charco, isto de se fazer um filme mudo em pleno século XXI. O que é mágico é que também sentimos o fascínio que vemos nas caras dos espectadores nas magistrais primeiras cenas.
Que graça, a expressão dos rostos que atravessam o filme, sobretudo, o sorriso esplendoroso do artista "mudo" George Valentin, as acrobacias do canito ou o final feliz e dançante.
Apesar da belíssima banda sonora, que alivia o desconforto de um silêncio total e prolongado à D.W. Griffith, é curioso como fui sentindo a vontade de ouvir outros sons e o realizador, engenhosamente, lá os foi introduzindo de forma parcimoniosa.
É pelos detalhes simples, graciosos e inteligentes que "O Artista" se destaca. Veja-se o "BANG" ou aquele suave "Wizpleasure".

quinta-feira, 8 de março de 2012

Kiss Me Deadly


Que saudades que eu tinha de ver um destes, enterrada naquele sofá chiante. O filme negro de 1955 de Robert Aldrich. O genérico é desconcertante, visto de baixo para cima, com o arfar de Christina em fundo. Antes, víamos os pés dela a correr no asfalto. Tap, tap, tap.
Gosto daqueles penteados, dos homens de caras duras e dos seus  fatos, da maneira como pegam nos cigarros, dos clichés, das mulheres de robe e das mulheres aperaltadas, do discar dos telefones, dos beijos, da música.

The night is mighty chilly
And conversation seems pretty silly
I feel so mean and rot
I’d rather have the blues than what I’ve got...

sábado, 12 de novembro de 2011

Live long and prosper

E já lá vão três da série de filmes "Star Trek". Primeiro estranhei, depois entranhei. Aquelas histórias prendem e entretêm: a máquina que procura o Criador, cientistas que criam vida em planetas sem vida, os mortos que se regeneram, a amizade que não morre. Estes filmes têm bom fundo. Sentimentos nobres, dramas familiares e muitas frases que ficam no ouvido ("I have been, and ever shall be, your friend. Live long, and prosper"). E, claro, a nave Enterprise, sempre majestática, olhada languidamente e com tanta devoção que chega a irritar. Oops, o Kirk deu cabo dela no terceiro filme quando fugia dos Klingons...o que se seguirá?

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O banquete

Foi bom rever "A Festa de Babette" com a tempestade lá fora e perto da hora da ceia. Eis um filme que é preciso ver de estômago meio cheio. Ansiamos por aquela mesa final, generosa, luminosa, pejada de iguarias francesas preparadas por Babette, a ex-chef do Café Anglais que foi acolhida por duas santas das terras da Jutlândia. Um dia, caíram-lhe no colo 10 mil francos ganhos na lotaria e, em agradecimento e para não perder a mão, a estrangeira decide oferecer pérolas gastronómicas a comedores sisudos de papas grossas. A comida e a bebida são redentoras. A cada gole e a cada garfada a vileza, e a mesquinhez daqueles comensais esboroam-se. 
É um filme belíssimo, que nos transporta para a Dinamarca do século XIX, para uma zona remota da costa, fria, contida, sensaborona. Babette é o sal que lhe faltava. 



















E depois de salivarmos um bom bocado com as delícias que saíam da cozinha de Babette, vingámo-nos gulosamente numas línguas-de-gato compradas no mercado das Caldas (benza-o Deus).
      

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Carpe diem

Touchée. Gostei deste imaginativo "Midnight in Paris". Gil Pender, de Pasadena, é um argumentista de Hollywood que quer dar o salto para a literatura e que está prestes a dá-lo para o casamento. Está de visita a Paris, com a noiva e os futuros sogros. O que ele queria era viver em Paris, numa mansarda de artista, nos anos 20, e que a noiva gostasse de passear à chuva com ele. Ela tinha outras ideias.

Num passeio solitário pela cidade, Gil cruza-se com um Peugeot Landaulet, que o leva para a sua "idade de ouro": Paris nos anos 20. O que se segue é um elenco de pintores e de escritores memoravelmente interpretados, traçados com muita graça, em poucas linhas de diálogo. Dalí, cheio de si, Gertrude Stein, a matriarca, Hemingway, de palavra cheia, Picasso, careca irascível, ou o penteado Buñuel, a quem Gil dá a ideia para o argumento de "El Ángel Exterminador" e o realizador, intrigado, a perguntar: "mas por que é que eles não conseguem sair da sala?" O filme tem destas pequenas delícias e a música de Cole Porter, que não é de somenos.

Gil acaba por perceber que este "tumor cerebral" que o acometeu não é mais do que um escape ao presente. O que nos resta é apreciar o momento em que calhámos.

"The world has gone mad today
And good's bad today,
And black's white today,
And day's night today,
When most guys today
That women prize today
Are just silly gigolos
And though I'm not a great romancer
I know that I'm bound to answer
When you propose,
Anything goes"