domingo, 6 de fevereiro de 2011

Pato bravo


“Black Swan”, de Darren Aronofsky, é um mosaico cinéfilo-literário bem entrosado, que glosa a história d’“O lago dos cisnes”: a mulher aprisionada que só se libertará pela morte. Este thriller psicológico, ambientado numa companhia de ballet, segue os passos de Nina (exímia Natalie Portman), uma rapariga perfeccionista e retraída que é escolhida para interpretar a mulher-cisne branco do bailado, doce, tímida e nervosa, e a sua dupla, a mulher cisne-negro, lasciva, sedutora, terrífica. Nina, toda candura, terá de aprender a sujar-se, se quiser interpretar o cisne negro de forma convincente. Mas Nina está aprisionada num corpo frio, espiado por uma mãe invejosa e tirana. Aliás, só as cenas caseiras entre mãe e filha dariam um valente filme de terror. O percurso de Nina é penoso. O corpo enche-se de mazelas, o espírito turva-se com paranóias e tudo se passa na sua cabeça, felizmente. Se aquela história se tornasse num caso de polícia ou num filme de terror com bonecada perderia todo o brilho para mim.
Aos poucos, atiçada por uma colega que vê como rival, Nina liberta-se, atira uns gritos à mãe e toma o controlo. Ansiávamos por vê-la dançar o cisne negro no dia da estreia, transfigurada, e é mesmo arrebatador.
Aronofsky doseou bem os géneros. Assumiu, entre outras, a influência de “A Mosca”, de Cronenberg, e lá está, e bem, a contribuir para a beleza estranha e inquietante deste filme.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Cheira a Steidl

Fomos à Kino, Mostra de Cinema de Expressão Alemã, assistir ao documentário “How to make a book with Steidl", onde vemos o carismático e desconcertante editor Gerhard Steidl em acção, de bata branca, como um clínico, entalado em pilhas de papéis de cheiro viciante, diz ele, numa pequena e lucrativa tipografia localizada na cidade alemã de Göttingen, onde concebe os seus afamados livros de arte. Há 40 anos. Entre os seus clientes/amigos contam-se Günter Grass, Karl Lagerfeld/Chanel, ou fotógrafos como o encaracolado Joel Sternfeld.
Steidl tem fama de artesão. Cultiva o detalhe e a qualidade. Conhece bem as máquinas e os autores, com quem mantém relações de longa duração, e a sua autoridade permite-lhe atirar um ríspido e rápido “não” quando Joel Sternfeld sugere um subtítulo de que ele não gosta.
Vemos Steidl a viajar de lés a lés ao encontro dos seus autores, a tomar chá com eles, dos Estados Unidos ao Qatar, e vemos um livro, em particular, a nascer, o “iDubai”, de Joel Sternfeld, que reúne uma selecção de fotografias tiradas com um iphone num centro comercial do Dubai.
Assistimos às angústias do autor/fotógrafo, à escolha do formato do livro, à obsessão pela reprodução fiel das cores, até à escolha da capa, genial, cheia de brilhos propositadamente foleiros, e com um gigantesco código de barras a ocupar a contracapa.

Quando, por fim, vemos Joel com o seu novo livro a cintilar nas mãos, parece que fica com o ego ferido, mas lá sucumbe à sagacidade do editor, que tornou aquela embalagem tão feia como o pior que se pode encontrar num centro comercial. Touché.

Dá gosto ver o Steidl trabalhar e dá gosto ver a dedicação que tem pelos seus livros. Deu-me até vontade de os cheirar. Diz que têm um cheiro diferente.