quinta-feira, 30 de julho de 2009

Sem faísca

A vida e a morte de Harvey Milk, o primeiro gay (assumido) a ser eleito para um cargo público nos Estados Unidos, em 1978, é contada com fluidez por Gus Van Sant, mas sem a faísca formal que admiro nele.
O filme é todo Sean Penn e a interpretação magistral que faz: a paixão com que beija os amantes, o olhar apaixonado que lhes deita, a sua vivacidade de activista gay são desarmantes. Emile Hirsh ("Into the Wild") não lhe fica atrás no talento, com o seu gay vivaz de cabelos encaracolados e óculos impossíveis.
É um filme informativo; um documento importante que nos mostra, através de impressivas imagens de arquivo, a humilhação e a violência de que eram vítimas os homossexuais na América.
Gus Van Sant, assumidamente gay, não fez um filme inocente em pleno ano de 2008, onde na América se votavam referendos sobre casamentos gay.
O filme resulta certinho, o que me aborrece. No entanto, continuo a achar Gus Van Sant um exímio contador de histórias (visuais) americanas.

domingo, 26 de julho de 2009

F*cking love boat

Richard Curtis (argumentista de "Bridget Jones", "Notting Hill", "Mr. Bean", "The Black Adder" :) ou da deliciosa série "The Vicar of Dibley") realizou este grande "feel-good movie" que é "O Barco do Rock", um hino às rádios pirata britânicas dos anos sessenta, servido por uma poderosa banda sonora e um excelente elenco (com Philip Seymour Hoffman à cabeça).
"Radio Rock" é uma rádio pirata que abana sobre (e sob) as ondas do Mar do Norte, ao som do rock and roll, cheia de cromos (The Count, o Bob das barbas, o robusto "Doctor Dave", a lésbica), cada um com a sua graça, irresistíveis. A exuberância e a pândega que agita aquele "barco do amor" contrastam com a cara de pau do ministro que quer banir as rádios pirata do Reino Unido (um divertido, de tão azedo, Kenneth Branagh), que aparece sempre mergulhado em cores frias.
Há momentos trágicos, melodramáticos, que parecem levar o filme noutra direcção, mas não saímos enganados: estávamos à espera de um "feel-good movie" e é isso mesmo que temos. E se o "Midnight" Mark me perguntasse: "So, how "bout" it then?" eu respondia: já vi melhor, mas até foi bom.


segunda-feira, 20 de julho de 2009

"This kind of certainty comes but once in a lifetime"

O calor, as pontes e as flores. Francesca e o seu jeito italiano. As mãos de Francesca a rodear a face, envergonhada. Os olhos, quando brilhavam de espanto. Francesca no banho, apanhando os pingos do chuveiro. O primeiro beijo, sem jeito, sentido, a queimar. I realized love won't obey our expectations, it's mystery is pure and absolute.

Como é bom rever "The Bridges of Madison County"









segunda-feira, 13 de julho de 2009

Brüno: de boca bem aberta

Eu gosto do Sacha Baron Cohen. Admiro a comédia física que faz, iconoclasta, embora indigesta. A última criatura que encarnou foi o inefável Brüno: homossexual austríaco, repórter de moda, exibicionista, tirânico e comovente, cujo objectivo de vida é ser famoso. O tipo tem graça, com todos os tiques e jeitos de boca que faz. As cenas, encenadas ou não, não nos deixam indiferentes de tão rasteiras, palermas e assustadoras. É que o Brüno ao lado das pessoas que vai encontrando nos Estados Unidos e noutros sítios é até uma "pomba da paz", literalmente. O que o Sacha Baron Cohen faz, para mim, não é tanto ridicularizar os homossexuais (concedo: talvez aqueles que se prestam ao ridículo), mas apontar as homofobias e as intolerâncias que persistem por aí. Se o sexo homossexual é risível, o sexo heterossexual também o é. E de que maneira. Se o "orgulho gay" é risível, o "orgulho heterossexual" ainda pode ser pior e a cena final no ringue machão é mesmo de antologia. "Brüno" atira-nos muita porcaria à cara, mas nós é que somos gozados, por termos pago para ver.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Pobres, mas asseados

"A casa de banho do Papa", nome sugestivo do filme de 2007 de Enrique Fernández e César Charlone, é um gozo. Retrata a azáfama empreendedora (e verídica) dos habitantes de Melo, no Uruguai, a umas semanas da visita do Papa João Paulo II, corria o ano de 1988.
Ao longo do filme seguimos a vida de Beto e dos seus colegas de contrabando, que ganham a vida a pedalar nas suas bicicletas até à fronteira com o Brasil. Depois voltam para as suas barracas de pedra e para as suas magras sopas de caldo. O retrato da pobreza naquele canto verdejante do Uruguai é impiedoso.
Mas a visita do Papa vai mudar tudo. Vai trazer milhares de brasileiros e prosperidade à terra. Vem aí o maná dos céus, pensam eles, e vemos os habitantes da cidadezinha a congeminar em que negócios vão enterrar as poupanças: invariavelmente, todos apostam no chouriço e nas gulodices e toca de comprar quilos e quilos de carne e de encher balões em honra do Papa.
Ora, o Beto contrabandista teve uma ideia melhor: construir uma casa de banho para “serviço completo ou parcial”, que os peregrinos vão pagar para usar, pensa ele.
No dia em que o Papa chega, os habitantes de Melo armam as suas barracas na rua principal do lugarejo e dispõem as comezainas. Depois do discurso de João Paulo II, fixam os olhos na estrada de onde virá a multidão devoradora de tartes e chouriços, pensam eles. Mas todos passam indiferentes e dá-nos um aperto no coração ver aqueles pobres empreendedores de mãos estendidas, carregadas de sanduíches que ninguém quer e o Beto, desesperado, no meio da multidão, a perguntar: “O senhor precisa de ir à casa de banho?”
Mas foi ele quem se safou melhor depois daquele fiasco monumental: tendo ele a única casa de banho decente das redondezas, acabou por fazer o negócio da retrete com a vizinhança.
“El baño del Papa” é uma comovente tragicomédia sobre pobres, sobre os laços de afecto e de solidariedade, sobre as pequenas alegrias da vida, sobre a dignidade de quem não consegue sonhar além de uma casa de banho, de uma mota ou de aviar cem pães com chouriço. Há a filha adolescente do Beto contrabandista, que quer estudar para ser “periodista” na rádio local e que se revolta com a falta de ambição e com a tacanhez dos pais. Acaba por se aperceber que à sua maneira tosca e desajeitada também o pai contrabandista quer ser melhor.
É um filme de emoções, que nos faz rir de tão triste que é.
E será sempre especial para mim, pelas circunstâncias em que o vi: em boa companhia, sob as estrelas, no Anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian (abençoada seja), a ouvir o vento a abanar as árvores e o coaxar crocante das rãs. Uma cena perfeita.
Já andarmos perdidos à noite no jardim da Gulbenkian à procura do Anfiteatro foi um momento inquietante e embaraçoso, quando os seguranças nos toparam.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Karl Malden

O actor Karl Malden morreu ontem, aos 97 anos de idade, em Los Angeles. Até hoje só o vi enquanto "Mitch", no filme de 1951 "A Streetcar Named Desire", de Elia Kazan. Era o melhor amigo de Stanley Kowalski/Marlon (nada) Brando, tímido e respeitador, que se apaixonou pela beleza sulista e grandiloquente de Blanche DuBois (uma Vivien Leigh de arrepiar). Depois, decepcionou-se: "No, I don't think I want to marry you anymore...no, you're not clean enough to bring into the house with my mother."

Grande filme. Grande actor.