sábado, 12 de novembro de 2011

Live long and prosper

E já lá vão três da série de filmes "Star Trek". Primeiro estranhei, depois entranhei. Aquelas histórias prendem e entretêm: a máquina que procura o Criador, cientistas que criam vida em planetas sem vida, os mortos que se regeneram, a amizade que não morre. Estes filmes têm bom fundo. Sentimentos nobres, dramas familiares e muitas frases que ficam no ouvido ("I have been, and ever shall be, your friend. Live long, and prosper"). E, claro, a nave Enterprise, sempre majestática, olhada languidamente e com tanta devoção que chega a irritar. Oops, o Kirk deu cabo dela no terceiro filme quando fugia dos Klingons...o que se seguirá?

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O banquete

Foi bom rever "A Festa de Babette" com a tempestade lá fora e perto da hora da ceia. Eis um filme que é preciso ver de estômago meio cheio. Ansiamos por aquela mesa final, generosa, luminosa, pejada de iguarias francesas preparadas por Babette, a ex-chef do Café Anglais que foi acolhida por duas santas das terras da Jutlândia. Um dia, caíram-lhe no colo 10 mil francos ganhos na lotaria e, em agradecimento e para não perder a mão, a estrangeira decide oferecer pérolas gastronómicas a comedores sisudos de papas grossas. A comida e a bebida são redentoras. A cada gole e a cada garfada a vileza, e a mesquinhez daqueles comensais esboroam-se. 
É um filme belíssimo, que nos transporta para a Dinamarca do século XIX, para uma zona remota da costa, fria, contida, sensaborona. Babette é o sal que lhe faltava. 



















E depois de salivarmos um bom bocado com as delícias que saíam da cozinha de Babette, vingámo-nos gulosamente numas línguas-de-gato compradas no mercado das Caldas (benza-o Deus).
      

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Carpe diem

Touchée. Gostei deste imaginativo "Midnight in Paris". Gil Pender, de Pasadena, é um argumentista de Hollywood que quer dar o salto para a literatura e que está prestes a dá-lo para o casamento. Está de visita a Paris, com a noiva e os futuros sogros. O que ele queria era viver em Paris, numa mansarda de artista, nos anos 20, e que a noiva gostasse de passear à chuva com ele. Ela tinha outras ideias.

Num passeio solitário pela cidade, Gil cruza-se com um Peugeot Landaulet, que o leva para a sua "idade de ouro": Paris nos anos 20. O que se segue é um elenco de pintores e de escritores memoravelmente interpretados, traçados com muita graça, em poucas linhas de diálogo. Dalí, cheio de si, Gertrude Stein, a matriarca, Hemingway, de palavra cheia, Picasso, careca irascível, ou o penteado Buñuel, a quem Gil dá a ideia para o argumento de "El Ángel Exterminador" e o realizador, intrigado, a perguntar: "mas por que é que eles não conseguem sair da sala?" O filme tem destas pequenas delícias e a música de Cole Porter, que não é de somenos.

Gil acaba por perceber que este "tumor cerebral" que o acometeu não é mais do que um escape ao presente. O que nos resta é apreciar o momento em que calhámos.

"The world has gone mad today
And good's bad today,
And black's white today,
And day's night today,
When most guys today
That women prize today
Are just silly gigolos
And though I'm not a great romancer
I know that I'm bound to answer
When you propose,
Anything goes"

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O tailandês tranquilo

Ruídos da selva, vento, calor, abelhas e tamarindos; um boi luzidio e musculado que corre por entre a erva, macacos-homem de olhos vermelhos, espíritos e fantasmas, uma princesa amargurada e um peixe-gato assanhado atravessam o filme tranquilo do tailandês Apichatpong Weerasethakul, “O tio Boonmee que se lembra das suas vidas anteriores”.
O tio Boonmee é um homem doente que leva o sobrinho e a cunhada para a sua quinta de apicultura, sabendo que a sua vida já está por um fio. O tio Boonmee acredita que foi o “karma” que o tramou: matou muitos comunistas e insectos e, por isso, adoeceu.

Um dia, recebe a visita do espírito da mulher, morta há 19 anos, e do filho desaparecido, que voltou sob a forma de macaco (uma cena bela e intensa). O tio Boonmee sabe que irá morrer em breve e assim será, na gruta onde se lembra de ter nascido, numa vida anterior.
O filme cativa pela sua estranheza e dolência. Não se percebe tudo e por que havemos de perceber? Suspendemos a descrença e deixamo-nos levar pelos sons daquela Língua estranha, pelos seres míticos ou pelas formas sinistras da caverna onde entramos a dada altura.
É um daqueles filmes que agradam mais aos espíritos contemplativos. Ali não há grande acção ou actividade. Os diálogos são monocórdicos. Tudo o que existe são gestos lentos, sons e mistérios. Eu cá gostei.

domingo, 20 de março de 2011

Rango


Imperdível, pelos detalhes dos bichos e pela graça do camaleão mitómano. A cavalgada das Valquírias, versão banjo, é do melhor. Para um visionamento mais confortável do filme, aconselham-se bebidas frescas...

sexta-feira, 11 de março de 2011

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Pato bravo


“Black Swan”, de Darren Aronofsky, é um mosaico cinéfilo-literário bem entrosado, que glosa a história d’“O lago dos cisnes”: a mulher aprisionada que só se libertará pela morte. Este thriller psicológico, ambientado numa companhia de ballet, segue os passos de Nina (exímia Natalie Portman), uma rapariga perfeccionista e retraída que é escolhida para interpretar a mulher-cisne branco do bailado, doce, tímida e nervosa, e a sua dupla, a mulher cisne-negro, lasciva, sedutora, terrífica. Nina, toda candura, terá de aprender a sujar-se, se quiser interpretar o cisne negro de forma convincente. Mas Nina está aprisionada num corpo frio, espiado por uma mãe invejosa e tirana. Aliás, só as cenas caseiras entre mãe e filha dariam um valente filme de terror. O percurso de Nina é penoso. O corpo enche-se de mazelas, o espírito turva-se com paranóias e tudo se passa na sua cabeça, felizmente. Se aquela história se tornasse num caso de polícia ou num filme de terror com bonecada perderia todo o brilho para mim.
Aos poucos, atiçada por uma colega que vê como rival, Nina liberta-se, atira uns gritos à mãe e toma o controlo. Ansiávamos por vê-la dançar o cisne negro no dia da estreia, transfigurada, e é mesmo arrebatador.
Aronofsky doseou bem os géneros. Assumiu, entre outras, a influência de “A Mosca”, de Cronenberg, e lá está, e bem, a contribuir para a beleza estranha e inquietante deste filme.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Cheira a Steidl

Fomos à Kino, Mostra de Cinema de Expressão Alemã, assistir ao documentário “How to make a book with Steidl", onde vemos o carismático e desconcertante editor Gerhard Steidl em acção, de bata branca, como um clínico, entalado em pilhas de papéis de cheiro viciante, diz ele, numa pequena e lucrativa tipografia localizada na cidade alemã de Göttingen, onde concebe os seus afamados livros de arte. Há 40 anos. Entre os seus clientes/amigos contam-se Günter Grass, Karl Lagerfeld/Chanel, ou fotógrafos como o encaracolado Joel Sternfeld.
Steidl tem fama de artesão. Cultiva o detalhe e a qualidade. Conhece bem as máquinas e os autores, com quem mantém relações de longa duração, e a sua autoridade permite-lhe atirar um ríspido e rápido “não” quando Joel Sternfeld sugere um subtítulo de que ele não gosta.
Vemos Steidl a viajar de lés a lés ao encontro dos seus autores, a tomar chá com eles, dos Estados Unidos ao Qatar, e vemos um livro, em particular, a nascer, o “iDubai”, de Joel Sternfeld, que reúne uma selecção de fotografias tiradas com um iphone num centro comercial do Dubai.
Assistimos às angústias do autor/fotógrafo, à escolha do formato do livro, à obsessão pela reprodução fiel das cores, até à escolha da capa, genial, cheia de brilhos propositadamente foleiros, e com um gigantesco código de barras a ocupar a contracapa.

Quando, por fim, vemos Joel com o seu novo livro a cintilar nas mãos, parece que fica com o ego ferido, mas lá sucumbe à sagacidade do editor, que tornou aquela embalagem tão feia como o pior que se pode encontrar num centro comercial. Touché.

Dá gosto ver o Steidl trabalhar e dá gosto ver a dedicação que tem pelos seus livros. Deu-me até vontade de os cheirar. Diz que têm um cheiro diferente.

domingo, 16 de janeiro de 2011



[...]
Though nothing can bring back the hour
Of splendor in the grass, of glory in the flower;
We will grieve not, rather find
Strength in what remains behind [...]

William Wordsworth

sábado, 15 de janeiro de 2011

Dê lá por onde der

Woody Allen regressa à cidade de Nova Iorque, depois do desastre de Barcelona. "Whatever works" é uma comédia luminosa e acelerada conduzida pelo misantropo Boris, sarcástico e até um pouco zen, que encaixa que nem uma luva em Larry David (co-criador de "Seinfeld"). Faz lembrar o Woody Allen/personagem dos primeiros filmes, com os seus tiques existencialistas e desaguisados mentais.
A história é feliz, mesmo quando parece descambar em tristezas, cheia de personagens cómicas e um pouco bizarras, como Marietta, a mulher sulista, encornada e com escrúpulos, que depois de morder a Big Apple se transforma numa sofisticada artista da fotografia e da alcova. O argumento é um pouco inverosímil (às vezes, como a própria vida), mas isso é um trunfo. É com gosto que nos deixamos enredar naquela trama de conto de fadas moderno, onde todos conseguem encontrar o seu lugar, dê lá por onde der.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

José & Pilar, Pilar, Pilar...


O documentário de Miguel Gonçalves Mendes entra na casa e na vida do casal José Saramago e Pilar del Río. A câmara segue Saramago, que incuba e escreve a história do elefante quinhentista que suportou uma viagem de Lisboa a Viena, e segue a mulher, que gere, incansável, a agenda a estoirar pelas costuras do marido-nobel.
O filme flui de forma natural, sem grandes artifícios. Somos levados num torvelinho de viagens e de eventos onde invariavelmente Saramago é posto a uma secretária a assinar livros. Pasmamos perante aquele octogenário que alinhava em tantas viagens e que aturava, com um sorriso benévolo, tanta imbecilidade e falta de senso.
Mas Pilar explica, na sua voz acelerada de espanhola, cheia de vida, que parar é morrer. E era Pilar quem preenchia o ecrã e que lhe dava vida, era ela quem levava Saramago, quem não o deixava parar, nem morrer. Saramago parecia estar numa resignação feliz dentro daquele circo mediático. Impressiona o seu rosto de velho, com uma qualidade de réptil venerando (penso em tartarugas), que se enternece com a mulher que ama. Diz frases enxutas e eficazes que saem de um "caldo requentado" que se serve aos jornalistas, mas as mais belas serão sempre para Pilar.


"Encontramo-nos noutro sítio..."



sábado, 8 de janeiro de 2011

Sacrebleu!

Em 2009, a Cinemateca Portuguesa e o Programa Gulbenkian Ambiente organizaram um ciclo de cinema dedicado à temática ambiental. "Le monde du silence", documentário de 1956 de Jacques-Yves Cousteau e Louis Malle, merece um apontamento pela galhofa (em espanto) que proporcionou. O filme acompanha as incursões por mares e oceanos da embarcação Calypso, comandada pelo oceanógrafo francês de icónico barrete vermelho.
O título poético do documentário predispunha-nos para um mergulho beatífico nas profundezas do mar silencioso e não ficamos defraudados: o mergulho é hipnótico e azul. Mas sucedem-se alguns episódios bizarros, impensáveis, incríveis, que nos deixaram de boca aberta.
Veja-se a cena da morte de uma baleiazinha, acidentalmente trucidada pelo Calypso. Como se não bastasse, assim que viram tubarões a rondarem o petisco, a tripulação de garridos cuecões de mergulho acorre numa fúria assassina contra os pobres predadores, deixando o ecrã a escorrer sangue. Outra cena memorável é quando os exploradores, na ânsia de descobrirem novas espécies de peixes, largam dinamite num lago (uma prática bem portuguesa). Bum! e é vê-los a recolherem os peixes traumatizados e a enfiarem-nos em frascos com formol ou lá o que era. Há aquele momento arrepiante em que os mergulhadores martelam corais, furiosamente, e há uma cena em que chegam a ludibriar um volumoso mero que se afeiçoou a eles e que não os largava nem por nada...graças à legendagem, houve um bónus de riso, quando o mero surgia com o mimoso nome de "Jojó".

Jacques-Yves Cousteau e o seu barrete vermelho fazem parte da minha infância. Foi uma figura de relevo da oceanografia, ajudou a divulgar os oceanos e as suas maravilhas, mas, neste filme, Costeau e a sua tripulação mais parecem uma trupe de sádicos malfeitores.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Marginal



Atravessando a Marginal, a 60km por hora, começa a tocar no rádio a valsa do "Padrinho". Mesmo a calhar, naquele horizonte de nuvens cinzentas, com as ondas amarelas em tropel. Na curva do Mónaco, extingue-se a valsa.
Uma trilogia ainda por ver de enfiada.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Que 2011 nos traga boas histórias para contar