segunda-feira, 6 de julho de 2009

Pobres, mas asseados

"A casa de banho do Papa", nome sugestivo do filme de 2007 de Enrique Fernández e César Charlone, é um gozo. Retrata a azáfama empreendedora (e verídica) dos habitantes de Melo, no Uruguai, a umas semanas da visita do Papa João Paulo II, corria o ano de 1988.
Ao longo do filme seguimos a vida de Beto e dos seus colegas de contrabando, que ganham a vida a pedalar nas suas bicicletas até à fronteira com o Brasil. Depois voltam para as suas barracas de pedra e para as suas magras sopas de caldo. O retrato da pobreza naquele canto verdejante do Uruguai é impiedoso.
Mas a visita do Papa vai mudar tudo. Vai trazer milhares de brasileiros e prosperidade à terra. Vem aí o maná dos céus, pensam eles, e vemos os habitantes da cidadezinha a congeminar em que negócios vão enterrar as poupanças: invariavelmente, todos apostam no chouriço e nas gulodices e toca de comprar quilos e quilos de carne e de encher balões em honra do Papa.
Ora, o Beto contrabandista teve uma ideia melhor: construir uma casa de banho para “serviço completo ou parcial”, que os peregrinos vão pagar para usar, pensa ele.
No dia em que o Papa chega, os habitantes de Melo armam as suas barracas na rua principal do lugarejo e dispõem as comezainas. Depois do discurso de João Paulo II, fixam os olhos na estrada de onde virá a multidão devoradora de tartes e chouriços, pensam eles. Mas todos passam indiferentes e dá-nos um aperto no coração ver aqueles pobres empreendedores de mãos estendidas, carregadas de sanduíches que ninguém quer e o Beto, desesperado, no meio da multidão, a perguntar: “O senhor precisa de ir à casa de banho?”
Mas foi ele quem se safou melhor depois daquele fiasco monumental: tendo ele a única casa de banho decente das redondezas, acabou por fazer o negócio da retrete com a vizinhança.
“El baño del Papa” é uma comovente tragicomédia sobre pobres, sobre os laços de afecto e de solidariedade, sobre as pequenas alegrias da vida, sobre a dignidade de quem não consegue sonhar além de uma casa de banho, de uma mota ou de aviar cem pães com chouriço. Há a filha adolescente do Beto contrabandista, que quer estudar para ser “periodista” na rádio local e que se revolta com a falta de ambição e com a tacanhez dos pais. Acaba por se aperceber que à sua maneira tosca e desajeitada também o pai contrabandista quer ser melhor.
É um filme de emoções, que nos faz rir de tão triste que é.
E será sempre especial para mim, pelas circunstâncias em que o vi: em boa companhia, sob as estrelas, no Anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian (abençoada seja), a ouvir o vento a abanar as árvores e o coaxar crocante das rãs. Uma cena perfeita.
Já andarmos perdidos à noite no jardim da Gulbenkian à procura do Anfiteatro foi um momento inquietante e embaraçoso, quando os seguranças nos toparam.

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