domingo, 22 de março de 2009

Desejo e Literatura

"O Leitor", adaptação do livro do jurista Bernhard Schlink, é daqueles filmes que deixam o espectador satisfeito: temos uma boa história, interpretações convincentes, uma realização fluida e inteligível, que manobrou bem os frequentes saltos cronológicos. Perfeito.
A história de amor entre o miúdo de 15 anos e a mulher de 36 tem tudo para ser cativante e bela: mete sexo e literatura e está tudo dito. Lá estava "A Odisseia" de Homero, o D.H. Lawrence e "O Amante de Lady Chatterley" (um livro intenso com uma magistral adaptação ao cinema por Pascale Ferran), o Tintin (porque tinha graça) ou "A dama do cachorrinho" de Anton Tchékov, um conto glosado ao longo do filme. Perfeito.
Kate Winslet ia muito bem no papel de Hanna: uma mulher austera, brusca e de tiques autoritários (por defeito profissional), mas frágil e feminina quando se despia ou quando ouvia ler. A sua candura era desarmante, quer no tribunal que condenou o seu passado de diligente guarda de um campo de concentração, quer na prisão, quando aprende a ler e a escrever sozinha escutando as gravações que o seu "leitor" lhe enviava. Para mim, das cenas mais comoventes.
Há muitas histórias paralelas. As questões levantadas durante o julgamente de Hanna são importantes: a ferida aberta do Holocausto, a questão da obediência e aquela evidência de ninguém ser absolutamente bom ou absolutamente mau.
No entanto, é sempre mais simples e conveniente rematar as pessoas com o rótulo definitivo de "bom" ou "mau." Até Josef Mengele, o médico nazi que fez inúmeras e macabras experiências "médicas" com gémeos, era conhecido entre as crianças como o "tio Mengele", porque oferecia chocolates e era delicado com elas, isto antes de lhes picar o corpo com agulhas ou de as abrir e coser sem anestesia...
Hanna foi acusada de deixar centenas de prisioneiras a arder dentro de uma Igreja, arcando com a pena mais pesada por ter vergonha de confessar o seu analfabetismo (outro pormenor interessante na história). Pagou por isso. Como se paga por isso?
Mas não foi por aqui que o filme me agarrou. Gostei muito mais da luminosa história de amor, sustentada em desejo e literatura.
Como história de redenção não acho que haja filme, que eu conheça, que supere "As Vidas dos Outros" (2006), de Florian Henckel von Donnersmarck, sobre a claustrofóbica Alemanha de Leste nos anos 80, antes da queda do Muro de Berlim. A personagem do cumpridor agente da Stasi que tem por missão ouvir a vida de um escritor (outra vez a literatura), que acaba por se afeiçoar a ele, forjando os relatórios para o proteger, é das mais emocionantes que tenho visto.





2 comentários:

  1. Gostei das questões levantadas pelo filme:
    É possivel sermos amigos de um monstro?
    Amar um monstro?
    Até que ponto podemos de facto, ser perdoados?

    ... muito filosofico!

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  2. Estou contigo no apreço pel´"As vidas dos outros".
    Todos somos monstros, e todavia todos merecemos amor. Ou como diz o meu pai, "toda a gente tem defeitos, mas uns aturam-se melhor que outros".

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