quinta-feira, 19 de março de 2009

A Morte vestiu-se de vermelho


O ano de 1809 foi de boa colheita: Charles Darwin, Abraham Lincoln, Edgar Allan Poe (e muito boa gente) nasceram nesse ano.
A Cinemateca associou-se ao Colóquio "Poe e a Criatividade Gótica", que o Centro de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa organiza até amanhã para assinalar o bicentenário do nascimento do escritor norte-americano.
Ontem passou "The Masque of the Red Death" (1964), de Roger Corman, o homem que escreveu uma autobiografia intitulada "How I made a hundred movies in Hollywood and never lost a dime" (não está mal como carta de recomendação) e que é alcunhado como o rei dos filmes série-B.
"Talvez a obra-prima de Corman..." lia-se na sinopse da Cinemateca e esfreguei logo as mãos: "Obras-primas? Venham elas!" Mas se aquilo era uma obra-prima, vou ali e já venho.
Não me entusiasmei com a história do satânico e medieval Príncipe Próspero, que acaba a estrebuchar vítima da Morte Vermelha quando esta irrompe no baile de máscaras do Príncipe, imaginativamente disfarçado de Lawrence da Arábia (sim, também estranhei.)
O filme chega a ser comovente de tão naif e é talvez por aí que nos desarma.
A cópia não era das melhores: estava cheia de riscos e de saltos e "as cores fortes" que todos gabavam, infelizmente, não se notavam bem.
Mas houve momentos que me prenderam ao ecrã, como a sequência do pesadelo de Juliana, cheio de distorções e cores estranhas. A música que acompanhava o sonho soou-me aos terríficos e fascinantes "tun-tuns" dos Augúrios da "Sagração da Primavera" de Igor Stravinsky. Isso surpreendeu-me. Registei e gostei.
Agora a Morte. O próprio Roger Corman reconhecia que a sua Morte Vermelha era muito semelhante à de Ingmar Bergman no filme "O Sétimo Selo". As semelhanças são flagrantes, mas se a morte a preto e branco de Bergman gostava de jogar xadrez com cavaleiros medievais, a de Corman preferia mostrar cartas de tarot a aldeões.
Isso leva-me ao Woody Allen e à sua peça "A morte chama". A morte do Woody Allen chega a casa de um tal Nat Ackerman e diz que o vai levar para o Outro Mundo.

["A Morte: Estamos no Carnaval? Nat: Não. A Morte: Então eu sou a Morte. E agora pode-me arranjar um copo de água - ou uma água tónica?"]
Nat Ackerman diz que viu num filme que a Morte jogava xadrez, ao que a morte responde: "Não podia ser eu, porque não jogo xadrez. Só se fosse gin rummy." Dito e feito, Nat lança as cartas: se perder o jogo, morre, se ganhar, fica com mais umas horas de vida. Moral da história: a morte é "depenada" e fica a dever 28 dólares a Nat.
Uma nota: antes do filme houve uma sessão de "blá-blá". Quem falou foi o meu antigo professor de Literatura e Cinema, MJT. Nem o reconhecia, de tão mudado que está: mais magro e com menos cabelo, mas a voz estava igual. Gostei de voltar a ver o queixo dele levemente levantado, enquanto esperava que as pessoas se sentassem, com um sorriso de esguelha a acompanhar. O que eu gostei daquelas aulas...










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