domingo, 8 de março de 2009

Cinema



Não me lembro do primeiro filme que vi no cinema. Esfarelando a memória, o meu palpite é a "Branca de Neve e os Sete Anões" (1938), do Walt Disney, na sala do cinema Tropical. A beleza demoníaca da Rainha e a fealdade da velha de maçã vermelha na mão pontiaguda arrepiaram-me. São apenas memórias ténues. Penso que nunca saberei essa minha primeira vez.
Nem me lembro tão-pouco de quando comecei a frequentar a Cinemateca, primeiro no nº39 da Rua Barata Salgueiro, com salas sufocantes e bancos envelhecidos, depois, durante a renovação do edifício, no local original, o belíssimo Palácio Foz, para voltar, maravilhada, ao nº39. As minhas idas à Cinemateca foram, na maior parte das vezes, solitárias. Nunca me importei, porque nunca me senti sozinha naquela sala de cinema. Era o grande cinema.
O "Johnny Guitar" (1954), de Nicholas Ray, continua a provocar-me palpitações: é aquela cor hipnótica, os diálogos certeiros, tão bem escritos, é a chávena de motivos azuis que o cowboy da guitarra pega com tanta delicadeza, são os olhos da Joan Crawford e da sua Vienna tão forte quando veste calças e pega em armas e tão frágil quando põe o vestido branco.
Lembro "Un grand amour de Beethoven" (1936), de Abel Gance, e a cena de Therèse olhando para um grande carvalho, suspirando o nome: "Beethoven." Lembro-me do baque que senti ao ver "The Misfits" (1961), de John Huston: a dor verdadeira que saía dos actores, sobretudo de Marylin Monroe, e os planos de uma extraordinária beleza triste onde Clark Gable abre caça aos cavalos mustang. Os filmes de Douglas Sirk fascinam-me pelas cores fortes e pelo kitsch do "american way". Admiro a cena do torneio do "Lancelot du Lac" (1974), de Robert Bresson, onde só ouvimos e vemos patas de cavalos. Fiquei 262 minutos, fascinada, a ver e a ouvir o "Amor de Perdição" (1978), de Manoel de Oliveira; ri até às lágrimas na cena do estacionamento de "Mon oncle" (1958), de Jacques Tati; arrepiei-me com a sujidade de "Frenzy" (1972), de Hitchcock (aquele "lovely, lovely"); deslumbrei-me com a beleza barroca de "La Belle et la Bête" (1945), de Jean Cocteau ou de "Blade Runner" (1982), de Ridley Scott, e senti uma experiência quase mística ao ver a história do monge russo do século XV pintor de ícones "Andrei Roubliov" (1966), de Tarkovski.
A minha demanda continua.

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